Instalação de depósito de ácido causa temor de desastre ambiental em Maceió

Projeto tem preocupado ambientalistas e órgãos de controle do Estado e já foi debatido em audiência pública

Por Emerson Tiago 17/06/2023 - 23:33 hs
Foto: Divulgação


A possibilidade de o Porto de Maceió abrigar uma Unidade de Recebimento e Estocagem de Ácido Sulfúrico (UREAS) tem gerado ampla discussão e preocupado ambientalistas e órgãos de controle. Há um temor generalizado por uma nova tragédia socioambiental na capital, a exemplo do afundamento do solo de bairros devido à exploração de sal-gema pela petroquímica Braskem.

 

O assunto não é relativamente novo - algumas barreiras burocráticas têm sido atravessadas ao longo dos últimos três anos - e, desde a semana passada, ganhou visibilidade no noticiário e nas redes sociais após uma audiência pública para debater a instalação. Até o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi acionado para tomar um posicionamento.

 

 

Tudo começou em 2020, quando o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), assinou o Decreto nº 10.330, de 28 de abril, que qualificou o terminal MAC10 (Porto de Maceió) para movimentação e armazenagem de granéis líquidos, principalmente ácido sulfúrico, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República.

 

Com esta autorização dada pelo governo federal, a empresa TIMAC Agro Indústria e Comércio de Fertilizantes LTDA iniciou as tratativas para abrir uma unidade no Porto de Maceió, solicitando certidões para ocupação do solo e, posteriormente, as licenças ambientais necessárias.

 

Em setembro do ano passado, a então Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet) expediu uma declaração que permitia a ocupação do solo pela empresa TIMAC. No entanto, o documento considerou que a área demandada pertencia à Zona Especial de Preservação do Entorno Cultural, constituída por construções ocupadas por atividades portuárias. O órgão elencou uma série de observações para que a área fosse utilizada.

 

As obras, neste caso, deveriam respeitar o que preconiza no Plano Diretor nº 5486/2005 e o Código de Urbanismo e Edificações nº 5593/2007. O artigo 500, do Código, por exemplo, é muito claro ao estabelecer que “todo estabelecimento que armazene ou processe produtos químicos, tóxicos, inflamáveis e/ou explosivos, ou que seja capaz de causar poluição ambiental, distará, no mínimo, um raio de 500 metros do perímetro urbano do município”.

 

Em nota, a Prefeitura de Maceió informou que não tem competência para conceder licença de atividade de ácido sulfúrico, sendo essa atuação de caráter exclusivo dos órgãos ambientais dos governos estadual (IMA) e federal (Ibama).

 

Com relação à Empresa Timac, o município admitiu que concedeu, em 2022, apenas a certidão para uso e ocupação de solo, em Jaraguá. E garantiu que o documento é meramente informativo e se refere aos parâmetros de construção da área requerida, o que não significa liberação ou alvará para construção de galpão e atividade qualquer que seja, que carecem de análise e/ou aprovação de outros entes públicos.

 

A prefeitura reforçou que, no caso específico da produção de ácido sulfúrico, só o Estado e a União podem autorizá-la. “De modo que não há nenhuma atribuição legal do Município para o exercício de tal atividade no porto da capital. A gestão JHC tem priorizado a política ambiental sustentável e não permitirá, jamais, qualquer ação em contrário”, destacou.

 

O Instituto do Meio Ambiente (IMA) será o responsável por conceder a licença ambiental, já pleiteada pela empresa de fertilizantes. Sobre a construção do depósito de ácido sulfúrico no Porto de Maceió, o órgão informou que promoveu, no dia 07 de junho, uma audiência pública para a apresentação e discussão dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

 

 

Na ocasião, estiveram presentes representantes da empresa que solicita a instalação do empreendimento e da empresa contratada para fazer os estudos, além de outros representantes da sociedade, a exemplo do Ministério Público de Alagoas (MPAL, que puderam acompanhar no local e online, formular perguntas e apresentar considerações sobre o assunto.

 

Um representante do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL) presidiu a audiência, acompanhado por outros técnicos.

 

“Importante ressaltar que, dentro do órgão, também está formada uma comissão de análise, inclusive com consultores externos contratados para colaborar com a avaliação dos estudos de risco do empreendimento. Atualmente o grupo está dando continuidade ao trabalho de analisar os documentos, considerando as observações e questionamentos apresentados durante a audiência. Após o cumprimento das etapas de análises, o pedido pode ser indeferido ou deferido. No final, todo o processo é remetido ao Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram)”, detalhou o IMA/AL.

 

Após participar das discussões, o promotor de Justiça Jorge Dória, titular da 66ª Promotoria de Urbanismo, Defesa dos Patrimônios Artístico, Estético, Histórico, Turístico e Paisagístico da Capital, instaurou uma Notícia de Fato para coleta de informações mais aprofundadas e, sucessivamente, adoção das medidas acatadas como cabíveis. Ele estipulou o prazo de 15 dias para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) se posicionar sobre a questão.

 

Para tomar a medida, o representante do MPAL alegou preocupação com as notícias da instalação de um terminal de ácido sulfúrico no Porto de Maceió, por considerar os riscos iminentes de dano à ordem urbanística. Segundo Dória, a investigação aberta tem como objetivo a proteção da ordem urbanística de Maceió bem como à vida de seus moradores.

 

 

O promotor avalia que o armazenamento e/ou o comércio de um produto altamente tóxico e explosivo naquele local representaria séria ameaça ao desenvolvimento urbano e também dos demais bairros do entorno, afetando diretamente todos os tipos de atividades .

 

“Considerando, portanto, a possibilidade de os impactos diretos ou indiretos da pretensa atividade virem a causar danos à ordem urbanística da cidade, caso tais regras não sejam observadas, que há a necessidade de uma análise mais acurada sobre os fatos por meio do procedimento próprio que culmine na definição das providências a serem adotadas”, observa.

 

O líder da bancada alagoana, deputado federal Paulão (PT), anunciou que enviou ofício ao Ministério do Meio Ambiente para tratar da instalação. Ele disse que a chegada da empresa poderá trazer sérios danos à capital alagoana, do ponto de vista ambiental e precisa ser impedida com urgência.

 

“Usei a tribuna para anunciar que encaminhei um ofício à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a respeito de uma ação que poderá ser concretizada, de mais um crime em relação à cidade de Maceió. Agora, está havendo uma discussão para que, no nosso Porto de Maceió, seja instalado um terminal para acondicionar ácido sulfúrico. Tenho certeza de que, pela caminhada, a ministra Marina Silva irá acompanhar esse projeto que poderá ser altamente danoso para a capital alagoana”, destacou.

 

 

Já a Câmara Municipal de Maceió criou uma frente parlamentar para acompanhar os trâmites da eventual instalação da unidade. A formação foi sugerida pelo líder do governo na Casa, vereador Chico Filho (MDB), que, assim como outros colegas, já se posicionou contrário à abertura do depósito.

 

Como primeira atividade, o grupo pretende agendar uma reunião ampliada com representantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), da Secretaria de Estado do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Sedics) e da Administração do Porto de Maceió.

 

A bióloga e técnica em Química Industrial, Neirivane Nunes, participou da audiência pública, no último dia 7, e demonstrou indignação pela ideia de Maceió abrigar um terminal de ácido sulfúrico em uma área como o Porto.

 

“Estamos falando de um produto extremamente tóxico, altamente corrosivo e que causa danos irreversíveis à saúde, podendo ser fatal. É agressivo aos tecidos do nosso corpo, causa queimaduras gravíssimas, se inalado pode afetar diretamente as vias respiratórias, e levar à morte. Os vapores do ácido são cancerígenos”, destacou, na fala.

 

Segundo ela, seria algo que beira o absurdo a cidade caminhar para o que considera ser um novo crime ambiental. “Já tivemos um crime causado pela Braskem e, agora, temos um crime socioambiental iminente, em potencial. Isso tem que ser discutido amplamente. Peço a impugnação da localização e de todo o processo”, completou.

 

O professor Josué Carinhanha Caldas Santos, do Instituto de Química e Biotecnologia IQB/Ufal, endossou que a instalação de qualquer empreendimento relacionado a produtos químicos na área urbana tem riscos. Mas, para que esta instalação ocorra, precisa-se seguir uma série de critérios. E garante que, se todos forem corretamente seguidos, os riscos são minimizados.

 

“Há risco por ser perto de uma área urbana (ácido sulfúrico é um produto corrosivo, desidratante); risco ambiental, pela proximidade do mar, mas esse risco é potencial. Se a empresa cumprir os requisitos, o risco é minimizado ou praticamente zero”, explica..

 

Já o oceanógrafo e professor da Ufal, Gabriel Le Campion, disse ser contrário à instalação da empresa no Porto, apesar de não conhecer o projeto. “Mas, o que vai definir são os estudos técnicos, que desconheço e não tive acesso. Não sei se o Porto de Maceió tem estrutura e segurança para tal. Isso envolve riscos de vazamentos, gases, transporte, desde a descarga no navio até o destino final”, frisa.